27 avril 2009

A palavra a FRANCISCO VELASCO

Caro Pedro Antunes

Antes de mais quero endereçar-lhe os meus cumprimentos e parabéns pelo seu magnífico Site e, por outro lado, afirmar que li com muito interesse
os seus comentários sobre alguns desabafos que tive com o meu amigo José Carlos, a pedido do próprio.
*
Desejo contudo perspectivar o contexto em que eles foram proferidos e corrigir-me pelo enquadramento que fiz da Itália no grupo dos “turistas”. Pôr a Itália como turista foi um lapso do correr da pena que quero rectificar. Como já tenho uma certa idade, os neurónios por vezes saltam dum lado para outro. Na sequência da palavra “turistas”, listei alguns e, ao ocorrer-me que muitos visitam a Itália, pimba, incluí este País o que foi uma falha tremenda.

Estive na Itália um ano e posso testemunhar que se alguma Federação de Hóquei se empenhou no desenvolvimento da modalidade foi esta, com uma organização impecável e um objectivo prioritário focado na Formação de Treinadores e publicação de Manuais, Textos e Livros de bastante interesse que são os únicos que costumo retirar da minha estante quando em busca de conhecimento. Por este erro grosseiro peço imensas desculpas.

Voltando ao contexto dos desabafos, o José Carlos sabe, das nossas esporádicas conversas que a minha crítica principal ao Hóquei em Patins refere-se à distinção que fiz no célebre livro a que se referiu, do Hóquei de Improvisação e o Hóquei Táctico, numa tentativa de alerta, que teríamos de passar do primeiro para o segundo, alertas estes da minha parte que já duram há uns bons cinquenta anos e estão escritos. Desespera-me mas fascina-me reparar, que ainda andamos a improvisar.

Referindo-me às suas “reflexões” sobre o que escrevi, tenho de saltar duma para a outra, aleatoriamente, para não transformar esta intervenção, numa resposta ponto por ponto com se duma polémica se tratasse. Mas certas questões interessantes que foram postas por si, ou nos links mais abaixo, requerem um realce. Pus o som alto e ouvi a peça, que começa por “errando se aprende”, “que pensamos saber tudo”, “que é possível viajar para além do infinito”.

Parto do viajar para além do infinito. Não acredito que eu possa ir além dum infinito que não existe, mas que passei e passo a minha vida a tentar chegar ao limite do conhecimento das coisas, isso foi e é ainda uma realidade, e quanto mais descubro, reconheço que muito mais há para se saber. Há muitos anos que me apercebi que a Lua não gira à volta da Terra, que nunca girou nem nunca há-de girar.

Quanto ao Hóquei em Patins, permito-me discordar de si, pois sem ser uma ciência exacta, ele é Matemática, Geometria, Física, Química, Biologia, Psicologia, e sei lá que mais, Técnicas, Tácticas Individuais e Colectivas; talvez Estatutos, Leis e Regulamentos. Claro que o domínio destas matérias complexas dificilmente poderá ser abarcado ao detalhe por uma só pessoa, requerendo outras. Daí que o “conhecimento” de todos constituirá o “conhecimento” total no momento, que nunca menosprezei, antes pelo contrário, sempre considerei uma riqueza.

Obviamente, como se trata da prática duma modalidade desportiva que, tal como outras, envolve toda a complexidade atrás referida, sem deixar as outras matérias de lado, acabei por concentrar-me nas Técnicas, Tácticas Individuais e Colectivas, baseado na minha experiência como jogador, (não interessa os título ganhos que esses, tal como no caso que mencionou da Suíça, ninguém mos tira). Esse traquejo de grandes e longos combates, ao longo de dezasseis anos, permitiu-me registar nuances que não se despegam da minha memória, e que foram o suporte das análises, conclusões e “conhecimento” que possuo.

De relevo o facto de ter jogado contra e com jogadores da geração que começou a dar títulos em série a Portugal, os célebres Emídio Pinto, Raio, Edgar, Correia os Santos, Jesus Correia, os que se seguiram, Fernando Cruzeiro, Lisboa e Perdigão, para não falar de outros, de ter enfrentado os grandes senhores da vizinha Espanha, Zabalia, Largo, Orpinelli, Boronat, Puigbó e Roca, Parella. Também importante, foi ter vindo de África, uma equipa com garotos que cresceram habituados a idolatrar esses mesmos ídolos, entusiasmados com os relatos na rádio das suas vitórias, equipa essa que na Europa os derrotou de forma convincente, dando origem a uma nova geração que se interligou a outra vindoura onde despontava o inesquecível Livramento, um ícone do nosso desporto. Foram três as gerações por mim vividas e estudadas.

E concordo, caro Patin Lover, ganhar dinheiro não é prioridade numa profissão. Como atleta nunca ganhei um tostão e como treinador, convidado para um número razoável de intervenções, muito menos. O que o Hóquei me proporcionou na minha vida não só pessoal como desportiva, obriga-me a devolver-lhe o “meu conhecimento”, qualquer que seja a presunção que eu ponha nele e isso sem reservas.

De há uns anos para cá que pretendo lançar um Site sobre as minhas teorias acerca da prática da modalidade que procuro ver se o acabo neste ano. Não é uma tarefa menor pois tive de enveredar pelo domínio de vários programas necessários, tais como Photoshop, Macromédia Flash, Corel Draw. Se porventura levar a cabo este desígnio, acho que vou poder fazer chegar ao mundo hoquista, um manual com conteúdos que poderão vir a interessar em especial aos países que não encontram fontes em que se basear. Será um relato, dum período idêntico ao que eles atravessam hoje, pois as circunstâncias são similares, e explicativo de como as coisas foram. Quem desconhece ou pretende apagar a história do passado, atrasará seguramente o desenvolvimento futuro da modalidade.

Como introduziu nos links das suas “reflexões”, várias personagens do futebol, reitero aqui a afirmação, já escrita para o meu Site, que tanto o Hóquei como o Futebol não alcançaram ainda o patamar da Táctica Colectiva. Continuam a improvisar. E bem podem os protagonistas, jogadores, treinadores e comentadores empregar adjectivos mirabolantes sobre 4.4.2, 4.3.3. com ou sem losango, que o que se passa lá dentro é imprevisto, improvidao, aleatório, de desgaste físico permanente só recortado pelo craque que, imprevisivelmente, resolve o problema de uma forma soberba. As apreciações de Scolari, do Pélé, são casuísticas, não passam de lugares comuns.

Reconheço que houve mudanças no Hóquei. A partir de 1982, começaram a aparecer novos agentes desportivos sabedores das suas matérias. Os Preparadores Físicos que com a sua competência elevaram o nível de preparação atlética dos jogadores e assumem merecidamente cargos dentro da modalidade, quer de treinadores quer de dirigentes. Não diminuo as suas acções no comando das equipas, pelo contrário acho preferível haver treinadores que, com conhecimento de causa, sabem como planear uma sessão de treinos sem perceber de Hóquei, do que um treinador “aprendiz de feiticeiro” que desconhece ambas as coisas. A condição atlética dos jogadores melhorou na horizontal, o que permite grande velocidade sobre a pista, o que é sempre excitante para o público. O problema é que a velocidade não é um fim no Hóquei em Patins mas sim um meio. E o que vemos é hoquistas a utilizá-lo por sistema, que desde o sinal do apito, disparam sem eira nem beira, tal qual como moléculas a chocarem uma contra as outras. O princípio geral do treino ou das acções de jogo que obriga à busca de eficácia com o menor dispêndio de energia, se não está morto, ficou a dormir no caixão.

O que é uma opinião? - Vejamos um grupo de pessoas a opinar sobre a cor da parede da sala onde se reuniram, numa conversa casual mas cansativa e que não leva a parte nenhuma:

- É branco, um tanto desbotado…

- Um branco acinzentado, talvez…

- Acho que é um creme claro…

- Marfim, se calhar…

O que é o conhecimento? - Uma dessas pessoas sai e volta com um instrumento adequado que coloca na parede registando os elementos obtidos:

- A cor é um branco azulado-clarinho! Tal como o algodão, os pigmentos não mentem.

Vou terminar, Caro Pedro Antunes, muito mais poderia dizer sobre os “cromos”. Á falta de outros foram eles que mantiveram o Hóquei vivo, rodeados de Dirigentes que são os pais dos jogadores e que causam problemas sérios no seio das equipas e dos Clubes. Estão lá porque querem os filhos longe da droga, o que é de realçar e acabam por querer vê-los a jogar, criando por vezes pressões insuportáveis aos Treinadores e injustiças que não passam despercebidas aos outros atletas. Todavia, bem hajam estes Agentes porque se não fosse eles, não haveria hóquei em Portugal.

Teria muito ainda para escrever, mas já estou cansado e espero que compreenda que o hóquei existe há demasiadas décadas e que existem espíritos inquisitivos que se entristecem por não haver uma evolução progressiva. Perderam-se momentos cruciais, não tiveram imaginação para se adaptar aos tempos modernos. Não preparámos os pavilhões para uma boa movimentação das câmaras de TV. Deixámos que se construíssem pavilhões escolares multiusos, com pisos atapetados para outras modalidades, numa altura em que a Patinagem era curricular. Pessoalmente, do meu cantinho e com o meu “conhecimento”, avisei o presidente da FPP do que se passava com os pisos. Não sabia disso. Eram mais de uma centena de pavilhões. Não sei se fez algo, mas se fez não surtiu efeito.

Enfim, se não perecermos numa guerra catastrófica, que há por aí muitas a serem preparadas, teremos mais umas décadas para ver se repomos o Hóquei em Patins no lugar que merece como possuidor do maior número de títulos Mundiais e que deviam orgulhar Portugal.

Francisco Velasco
27 de Abril de 2009

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Muito Obrigado Sr. Francisco,
Agradeço imenso as suas palavras.
Esta sua carta, esclarece a outra e vai ao encontro do que eu penso realmente de si. Fico feliz por isso.
Serei certamente um leitor assíduo do seu futuro site.
Grande abraço.
Pedro Antunes

1 commentaire:

Anonyme a dit…

Palavras sábias as do Sr Francisco Velasco, as quais subscrevo por inteiro. Tive o grato prazer de ser treinado por ele na década de oitenta e com ele ia-mos "para o treino" não "ao treino", que só encontrei paralelo com sr Antonio Livramento.
Porque será que ao ouvirmos e lermos "dizeres" dos " nouvelles" catedráticos do HPatins desistimos a meio o mesmo se passa com as palestras, os clinics, até adormecemos. Bem pelo contrário com Sr Velasco lêmos, relemos e ouvimos e por vezes damo-nos a pensar será que perdi alguma coisa do que ele disse.
Sou fã confesso do Sr Velasco pena é que as nossas vidas por força profissional não se tivessem cruzado mais vezes.
O tempo que fui treinado por ele no fim de cada sessão anotei tudo no que achava mais importante, quer o treino propriamente dito (movimentações,tactica e tecnica) quer parte psicologica e surpresa ou talvez não, ainda continua à frente e cada vez mais actual.
Há efectivamente duas personagens distintas que se identificam no meio hoquista Português os que têm "conhecimento" as que têm "informação" e os "outros", pena é que esteja entregue quase exclusivamente a estes dois últimos.
Pelo facto de ter lido toda a enciclopédia da Guerra do Ultramar não quer dizer que tenha algum "conhecimento" da mesma.

Abraço

Honorio